sábado, 18 de fevereiro de 2012

MITOS E RITOS

Um amigo me perguntou, de tanto me ouvir falar contra as manifestações invasivas que algumas igrejas fazem, se eu não pertencia a nenhuma igreja. Ao responder à pergunta, categoricamente disse que não. Mas na verdade não sei se faço parte de alguma. Fui batizada, na igreja católica, isso eu sei. Isso me faz parte dela? Nunca me interessei em saber. Fiz a primeira comunhão e eu me lembro ate hoje o dia que isso aconteceu. O significado que isso teve em minha vida, foi simplesmente fugir do assédio dos mórmons que não paravam de me perturbar.

Embora tivesse um dia sonhado fazer a primeira comunhão, e passar por uma festividade tão emotiva como a que já havia tido oportunidade de ver, no caso da minha irmã mais velha e outras meninas. Comigo, como era de praxe desde o dia em que nascera, tudo correu diferente. Fiz a minha primeira comunhão sem aviso prévio, sem que ninguém me explicasse o que aquilo significava, ao invés de um vestido branco de seda, flores nos cabelos, padrinhos, parentes próximos, festa de comemoração, compareci ao evento vestida de pijama. Não tivera tempo nem de escovar os dentes, nem de lavar o rosto e, como ainda não dominava o idioma inglês, não entendi nada que o padre falava. Não houve nenhuma igreja para emoldurar a ocasião, somente uma sala vazia, eu, o padre e a governanta que havia me levado até ele. Depois de algumas palavras ele desenhou uma cruz invisível na minha frente e a governanta me levou de volta pra cama.

O lucro disso era que os mórmons haviam desaparecido nos dias de visita e eu podia brincar tranqüila sem ter que ficar olhando eles falarem coisas que eu não compreendia. Isso aconteceu quando eu tinha onze anos, meus pais incansáveis na busca de uma melhora que me devolvesse a habilidade de andar haviam me enviado para um hospital em Utah, nos Estados Unidos. Fora isso, não me lembro de ter participado de nada mais que envolvesse a igreja no período que lá fiquei.

Lembro sim, dos natais em casa com a família, minha mãe fazia questão de montar o presépio, e todo natal na virada do dia 24 para o dia 25 parávamos tudo que estivéssemos fazendo para cantar “villancicos” para o menino Jesus. Não sei ao certo a idade que eu tinha, mas a festividade me chamava a atenção pela iluminação, pelos “buñuelos” que a minha mãe preparava para nós, pelas danças em grupo dos meus irmãos junto com meus pais e convidados, e porque era eu quem mais ajudava na montagem do presépio. Nesse então, não tinha noção de religião ou de qualquer coisa que envolvesse o mundo adulto.

Varias vezes tive vontade de entrar numa igreja católica, mas a lembrança das vezes que eu fui levada até ela, impedia e impede que o faça. Na minha memória ficaram as poucas vezes que eu passei pela porta de uma delas. Na Cidade de Copacabana, a virgem – Nossa senhora de Copacabana -  leva o mesmo nome da cidade, nome que foi levado do alto da cordilheira dos Andes, onde o lago Titicaca reina, ate as praias do Rio de Janeiro. Lá a devoção é grande para ela, eu ainda sinto a força que ela tem para com todos os bolivianos. Entrei nessa igreja levada nos braços da minha mãe que rezava para que eu pudesse andar novamente. Na minha mente eu não entendia o porquê de tanto sofrimento. Eu estava bem, não sentia necessidade de sofrer por conta disso, sentia vontade de ficar tranqüila, de continuar vivendo, de poder brincar, de poder estudar como faziam todos os meus irmãos, sentia vontade de poder ter problemas como eles, a tarefa longa demais, os colegas que perturbam em sala de aula, a professora que diz que você é muito levado, problemas de criança. Não percebia que esse mundo estava vedado para mim, que a cidade – La Paz - não me comportava, que as ruas e escolas, os cinemas e parques, não me comportavam. Não percebia que o sofrimento da minha mãe e do meu pai, eram justamente a consciência de que eu não poderia ter uma vida de criança como a dos meus irmãos. Eu era pequena demais para perceber.

Já adulta, varias vezes tive que enfrentar a igreja, no batismo do meu filho, na sua primeira comunhão, na missa da minha formatura como comunicadora entre outras, e nenhuma dessas vezes fiquei livre do preconceito dentro delas. Respira-se um ar que sufoca, que envenena a alma, mas que independe da crença que se professa. Todas as vezes que lá entrei os olhares se voltaram pra mim com uma carga nociva de caridade, de lamentação ao ponto de tornar-se concreta, sensível à pele mesma.

Em alguns casos comentários como “a fe cura tudo” “Deus lhe ama, acredite e você se levantará” “Deus sabe o que faz, você deve estar pagando algum - mal feito -  cometido” “tudo tem um propósito na vida, só ele sabe dizer qual”. Em outras igrejas chega a ser pior e não é preciso nem entrar nelas porque os supostos seguidores se tornam perseguidores e você acaba escutando os desatinos mesmo sem querer. “isso, é porque você não tem fé” “acredite e você verá o poder do senhor” e por ai vai!

Quem, em sã consciência, pode dizer que uma criança fica paraplégica por algum mal feito? E se eu não levantar, significa que eu não acredito o suficiente? Ou que fico assim para atender a algum propósito que ninguém sabe dizer o que é? E mais importante do que isso, será que uma pessoa cadeirante ou coisa que o valha, não pode simplesmente entrar numa igreja para conversar com Deus? Sem que uma massa de falsos religiosos, suponham que ela está lá pra procurar cura? E se for outro o motivo da visita à igreja? Não somos igualmente aptos a “oferecer” mais do que “pedir”? Como é possível que a igreja, que prega a tolerância, o respeito humano, que deveria dar o exemplo e repete feito papagaio versículos, trisículos e quintisículos, não possa parar de amar o próximo em literatura e passar a amá-lo na prática, pelo potencial, pelos defeitos, pelas virtudes dele? Onde vão parar as prezes que todos compartilham no culto enquanto o mendigo de porta de igreja – muitas vezes doente e mutilado -  espera a caridade que há de lavar a alma dos que ali foram?

Quem sabe se tivesse havido uma continuidade nos ritos da religião que começaram na minha infância, eu também estaria de olhos vendados para os desatinos e hipocrisias desse mundo. Quem sabe estaria hoje me lamentando da culpa que Deus nos atribui, “Amarga é a estrada desde que nos pregou um Deus à sua cruz” Rimbaud.  

Um comentário:

  1. Ótimo texto, fez-me refletir mto, pois afinal eu frequento uma igreja protestante há dois anos. Quanto à católica também me foi imposta quando criança todos seus ritos, eu frequentei a infância inteira sem saber direito o porquê eu tinha q estar lá, e pq era preciso fazer o sinal da cruz! Sim, há mesmo mta hipocrisia dentro das igrejas, hj me sinto bem em dizer q sou cristã pq na minha cabeça sou p/ fazer o bem ao meu próximo e a mim mesmo. Mas não me curvo a tudo o q o pastor me diz, sou mto questionadora ainda com mtas coisas da religião... Isso faz com q mtos me julguem de rebelde, mas sempre levo em conta uma frase: "Deus tem muitos a quem a igreja não tem. A igreja tem muitos a quem Deus não tem". Ser de qq religião não significa nada, nem q vc seja um ser humano melhor ou pior, o q importa são as suas ações e atitudes. Ótimo texto, vou compartilhar

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