sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

ESSE POVO....

Hoje eu li um artigo muito bom sobre a chegada dos haitianos, autoria de Ismael Benigno. Concordo com ele. Num trecho ele destaca ironicamente o discurso do governo “Somos ricos, nosso interior é pujante, nossa produção industrial e rural é enorme, batemos recordes de emprego e temos programas sociais feitos sob medida para pessoas sem teto. Então onde está o problema?”

Realmente faltava alguém falar sobre o tema despido dessa caridade carnavalesca politicamente correta que só serve de fachada para pousar de bom moço. Esse é o mal que o homem bom pode fazer.

Assim como ele também enxerguei o quadro de uma maneira ampla, fazendo uma leitura não somente do discurso do governo, nem do discurso dos refugiados, ou do povo "humanitário" que os recebeu, mas visto de um ângulo geográfico, econômico, e principalmente social, tudo isso a despeito de cor, nacionalidade ou até mesmo da necessidade dos recém chegados.

Posso dizer que olhando a mobilização que o fenômeno promoveu no intimo de uma massa que, do nada apresentou-se tão heroicamente, algumas perguntas me vieram à cabeça.


Onde estavam essas pessoas esse tempo todo? Onde escondiam esse ímpeto de gladiadores? Onde se encontravam no dia-a-dia, enquanto o seu povo passava necessidade nas periferias vivendo a mínguas? Nos hospitais num processo de definhamento? Onde estavam no momento em que os jovens interioranos chegavam à capital em busca de um destino melhor, que o dos seus familiares, esquecidos em alguma margem de rio? Onde estavam quando os índios foram destituídos e expulsos de suas terras e muitos ficaram perdidos e sem rumo? Onde estavam quando lhes faltou emprego, pão, uma camisa para vestir, um teto para dormir? Onde estavam os empresários para oferecer-lhes emprego, tirando foto ao lado deles para postar no facebook da mídia? Onde estavam os advogados para ajudá-los a conseguir documentos, os professores para aprimorar-lhes os conhecimentos, os médicos para prevenir-lhes as doenças.


O que ouço agora é que esse povo não presta, não merece, é preguiçoso, não sabe aproveitar as oportunidades, esse povo não quer trabalhar. Esse povo isto, esse povo aquilo, "esse povo" - sempre terceira pessoa! E quem fala não faz parte "desse povo?" Qual é o mecanismo que faz com que a chegada dos haitianos transforme, na mente de todos os que aqui vivem, em pessoas não merecedoras da mesma empatia? Que lógica é essa?


O problema esta posto, há que se procurar uma solução, mas que seja de maneira digna para todos, que não desmereça ninguém, que as oportunidades sejam dadas a todos e que as escolhas sejam feitas equitativamente e não porque achamos um mais ou menos merecedor, ou porque está na moda, ou porque fica bem para a imagem pessoal ou institucional, ou pior, porque achamos bonitinho os haitianos falando a sua língua, pois se continuar a ser esse o parâmetro o preconceito sofrido não será mais para com os haitianos, e sim para com ESSE povo.

É preciso que se saia já do “modelito” de “amigos da escola” e do estereótipo do “coitadinho” que nos fazem enxergar as mazelas da vida e as injustiças com aquele olhar de pena, que empurra a nossa mão para dentro do bolso em busca de moedas. É preciso que se abandone a pena e se busquem as idéias. Precisamos nos revoltar ao deparar-nos com o absurdo da nossa realidade, precisamos tirar essa fantasia eclesiástica e sermos participes do infortúnio, do sofrimento, do descaso, da humilhação, do desespero e não colocar-nos como observadores, redentores da salvação, sempre enxergando o outro como alguém de fora da nossa realidade. Somos agora um pouco haitianos sem deixarmos de ser amazônidas, isso não é uma escolha, é um fato, Precisamos de um espelho para ver-nos e constatarmos que nada temos dos deuses. Faço minhas as sabias palavras do poeta Fernando Pessoa - “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?” -.

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