quarta-feira, 3 de abril de 2013

COMO SE ARRANCA O CORAÇÃO DE UMA PESSOA




E assim, como resultado de um espasmo súbito e estrondoso, o que era luz tornou-se trevas. Era possível enxergar isso no rosto que amanhecera claro e brilhante e agora se contraia enrijecendo todos seus músculos, como se houvesse algo a lhe transbordar arrebentando-lhe todas as veias.

Sentia o seu coração pulsar-lhe nos ouvidos, seus lábios ficavam mais secos a cada entrada de ar, havia começado a auxiliar a respiração pela boca. Os olhos pareciam saltar-lhe fora de suas órbitas, a ponto de derramar-se em prantos. Faria tudo para conter-se, afinal ninguém podia vê-la através do telefone.

Ouvia atentamente tudo, cada palavra, cada entoação que era dada a elas, o timbre como eram pronunciadas. Parecia poder ver o rosto da pessoa do outro lado, estaria seria, teria procurado não só coragem, mas um local adequado para sentar-se e proferir a sentença, quiçá tivesse ensaiado tudo primeiro, conversado com alguém sobre a melhor maneira de arrancar o coração de uma pessoa.

A cada palavra que lhe era dita sentia já ter ouvido tudo ou talvez fosse por já estar à espera desse momento. Tentou lembrar quando, em que milésimo de segundo, o seu sexto sentido lhe havia avisado disso.

Que tonta era!

Mal conseguia separar as duas vozes, sua mente gritando lá longe, e a voz falando do outro lado do telefone. Como seria bom um infarto naquele momento. Por que o ser humano era tão resistente quando menos se quer? - Por que não vem logo uma merda de infarto? Pensou. Por que os sentidos não, de repente, simplesmente negam-lhe a consciência?

Não ouvir mais nada. Não ouvir as batidas estridentes de seu coração, não ouvir o turbilhão de pensamentos, nem as memórias com todas as conversas daquele e de outros dias, nem muito menos a voz doce que tanto amava falando palavras tão duras e pesadas.

- De manhã cedo faltou-lhe algo na voz. Gritou-lhe a lembrança.

Era como uma música tocada em descompasso, um tom a mais, um a menos, uma leve queda no nível de oxigênio nos pulmões, alguma coisa. Era perceptível o arrependimento ou quiçá a lamentação. Ambos haviam percebido o descompasso e, enquanto procurava-se acertar o passo do outro lado do telefone, deste lado só podia encontrar-se o silêncio. Um silêncio que era mais um grito de socorro, um pedido de ajuda.

Não havia mais nada, só um silêncio eterno, desesperador até q finalmente, alguns segundos depois surgiu uma conversa cheia de partículas estrategicamente compostas. Segundas, terceiras, quartas, quintas intenções. Ora dissimuladas, ora investigativas. A pior das conversas. Isenta de verdades como um todo e ao mesmo tempo absolutamente descarada.

Do outro lado, uma tentativa de fuga. Desligar parecia boa idéia. Então, ouviu-se uma desculpa qualquer, mas infrutífera. Deste lado a insistência em continuar a conversa na espera de detectar a verdade.

Silêncio.......

Um longo, penetrante e estático silêncio.....

Depois uma conversa mole, o chavão carinhoso.

A minha sinceridade não combina com suas mentiras e suas mentiras não combinam com sua índole. Por isso torna-se tão difícil e sofrido.

Novamente o tom de culpa.

Uma pergunta boba. Já almoçou?

Novamente o descompasso.

Agora era possível entender o porquê do tom incisivo desta vez. Já havia uma tentativa de falar que fracasara. Aguentou estoicamente sem interromper. Palavras vãs e inócuas juntamente com o choro foram parar no estômago, optou novamente pelo silêncio. Uma analise rápida na memória trouxe à tona a imagem de tudo sem precisar ver, nem ouvir mais nada. Estava claro agora. Nada que fosse dito acrescentaria o que já era sabido. O que já fora previsto.

Do outro lado da linha, a voz tornou-se parte da sonoplastia do momento, como a chuva, como o vento passando pelas arvores, como os pássaros em sua cotidiana algazarra, como o barulho das máquinas de ar condicionado. Em primeiro plano, o pulsar do coração insistindo em notoriedade.

Escutei um gemido no fundo de tudo, um gemido longo e profundo tal qual um mar escuro e sem fim, tentei adivinhar o que era e quanto mais pensava nisso, mais ele invadia a cena, a voz no pequeno aparelho começou a sumir, as memórias haviam desaparecido.

Tudo estava em silêncio como se o tempo tivesse, de repente, parado. Só o gemido no fundo, algo que prendia a atenção no escuro, de onde talvez surgisse. Os olhos fixos buscando se acostumar com a escuridão a fim de poder enxergar, ele ficou mais alto e mais próximo, estava perto.

De repente a voz amada do outro lado do telefone, o ar condicionado, o ventilador lá fora, o vento de chuva anunciando a solidão e o gemido, mistura de dor e desespero a explodir-lhe as entranhas. O rosto encharcado, a boca trêmula, a pele vermelha pela contração das veias e, é claro, o coração num pulsar recalcitrante e impiedoso.