sábado, 18 de fevereiro de 2012

MITOS E RITOS

Um amigo me perguntou, de tanto me ouvir falar contra as manifestações invasivas que algumas igrejas fazem, se eu não pertencia a nenhuma igreja. Ao responder à pergunta, categoricamente disse que não. Mas na verdade não sei se faço parte de alguma. Fui batizada, na igreja católica, isso eu sei. Isso me faz parte dela? Nunca me interessei em saber. Fiz a primeira comunhão e eu me lembro ate hoje o dia que isso aconteceu. O significado que isso teve em minha vida, foi simplesmente fugir do assédio dos mórmons que não paravam de me perturbar.

Embora tivesse um dia sonhado fazer a primeira comunhão, e passar por uma festividade tão emotiva como a que já havia tido oportunidade de ver, no caso da minha irmã mais velha e outras meninas. Comigo, como era de praxe desde o dia em que nascera, tudo correu diferente. Fiz a minha primeira comunhão sem aviso prévio, sem que ninguém me explicasse o que aquilo significava, ao invés de um vestido branco de seda, flores nos cabelos, padrinhos, parentes próximos, festa de comemoração, compareci ao evento vestida de pijama. Não tivera tempo nem de escovar os dentes, nem de lavar o rosto e, como ainda não dominava o idioma inglês, não entendi nada que o padre falava. Não houve nenhuma igreja para emoldurar a ocasião, somente uma sala vazia, eu, o padre e a governanta que havia me levado até ele. Depois de algumas palavras ele desenhou uma cruz invisível na minha frente e a governanta me levou de volta pra cama.

O lucro disso era que os mórmons haviam desaparecido nos dias de visita e eu podia brincar tranqüila sem ter que ficar olhando eles falarem coisas que eu não compreendia. Isso aconteceu quando eu tinha onze anos, meus pais incansáveis na busca de uma melhora que me devolvesse a habilidade de andar haviam me enviado para um hospital em Utah, nos Estados Unidos. Fora isso, não me lembro de ter participado de nada mais que envolvesse a igreja no período que lá fiquei.

Lembro sim, dos natais em casa com a família, minha mãe fazia questão de montar o presépio, e todo natal na virada do dia 24 para o dia 25 parávamos tudo que estivéssemos fazendo para cantar “villancicos” para o menino Jesus. Não sei ao certo a idade que eu tinha, mas a festividade me chamava a atenção pela iluminação, pelos “buñuelos” que a minha mãe preparava para nós, pelas danças em grupo dos meus irmãos junto com meus pais e convidados, e porque era eu quem mais ajudava na montagem do presépio. Nesse então, não tinha noção de religião ou de qualquer coisa que envolvesse o mundo adulto.

Varias vezes tive vontade de entrar numa igreja católica, mas a lembrança das vezes que eu fui levada até ela, impedia e impede que o faça. Na minha memória ficaram as poucas vezes que eu passei pela porta de uma delas. Na Cidade de Copacabana, a virgem – Nossa senhora de Copacabana -  leva o mesmo nome da cidade, nome que foi levado do alto da cordilheira dos Andes, onde o lago Titicaca reina, ate as praias do Rio de Janeiro. Lá a devoção é grande para ela, eu ainda sinto a força que ela tem para com todos os bolivianos. Entrei nessa igreja levada nos braços da minha mãe que rezava para que eu pudesse andar novamente. Na minha mente eu não entendia o porquê de tanto sofrimento. Eu estava bem, não sentia necessidade de sofrer por conta disso, sentia vontade de ficar tranqüila, de continuar vivendo, de poder brincar, de poder estudar como faziam todos os meus irmãos, sentia vontade de poder ter problemas como eles, a tarefa longa demais, os colegas que perturbam em sala de aula, a professora que diz que você é muito levado, problemas de criança. Não percebia que esse mundo estava vedado para mim, que a cidade – La Paz - não me comportava, que as ruas e escolas, os cinemas e parques, não me comportavam. Não percebia que o sofrimento da minha mãe e do meu pai, eram justamente a consciência de que eu não poderia ter uma vida de criança como a dos meus irmãos. Eu era pequena demais para perceber.

Já adulta, varias vezes tive que enfrentar a igreja, no batismo do meu filho, na sua primeira comunhão, na missa da minha formatura como comunicadora entre outras, e nenhuma dessas vezes fiquei livre do preconceito dentro delas. Respira-se um ar que sufoca, que envenena a alma, mas que independe da crença que se professa. Todas as vezes que lá entrei os olhares se voltaram pra mim com uma carga nociva de caridade, de lamentação ao ponto de tornar-se concreta, sensível à pele mesma.

Em alguns casos comentários como “a fe cura tudo” “Deus lhe ama, acredite e você se levantará” “Deus sabe o que faz, você deve estar pagando algum - mal feito -  cometido” “tudo tem um propósito na vida, só ele sabe dizer qual”. Em outras igrejas chega a ser pior e não é preciso nem entrar nelas porque os supostos seguidores se tornam perseguidores e você acaba escutando os desatinos mesmo sem querer. “isso, é porque você não tem fé” “acredite e você verá o poder do senhor” e por ai vai!

Quem, em sã consciência, pode dizer que uma criança fica paraplégica por algum mal feito? E se eu não levantar, significa que eu não acredito o suficiente? Ou que fico assim para atender a algum propósito que ninguém sabe dizer o que é? E mais importante do que isso, será que uma pessoa cadeirante ou coisa que o valha, não pode simplesmente entrar numa igreja para conversar com Deus? Sem que uma massa de falsos religiosos, suponham que ela está lá pra procurar cura? E se for outro o motivo da visita à igreja? Não somos igualmente aptos a “oferecer” mais do que “pedir”? Como é possível que a igreja, que prega a tolerância, o respeito humano, que deveria dar o exemplo e repete feito papagaio versículos, trisículos e quintisículos, não possa parar de amar o próximo em literatura e passar a amá-lo na prática, pelo potencial, pelos defeitos, pelas virtudes dele? Onde vão parar as prezes que todos compartilham no culto enquanto o mendigo de porta de igreja – muitas vezes doente e mutilado -  espera a caridade que há de lavar a alma dos que ali foram?

Quem sabe se tivesse havido uma continuidade nos ritos da religião que começaram na minha infância, eu também estaria de olhos vendados para os desatinos e hipocrisias desse mundo. Quem sabe estaria hoje me lamentando da culpa que Deus nos atribui, “Amarga é a estrada desde que nos pregou um Deus à sua cruz” Rimbaud.  

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

PROBLEMAS EM POTENCIAL

Resisti muito para publicar o seguinte texto porque o efeito que causa ler historias como esta anda muito distorcido, lembrei-me de uma das frases que constam nos muros da minha residência. “O que precisamos é de odio, pois dele nascerão nossas idéias” Jean Jenet.

Houve uma época, que o fato de ter que me adaptar às condições de trabalho que uma pessoa normal estava acostumada, se desenhou na minha vida a título de imposição. Nada nem ninguém, até então, havia conseguido fazer com que eu desistisse de levar a vida que eu queria. Decidi aceitar o desafio e esquematizei, como qualquer pessoa nas minhas condições, um jeito para driblar os possíveis obstáculos que enfrentaria.

A rotina não era fácil, não podia beber água e isso num lugar como a Amazônia é quase um suicídio a conta gotas, comer também era algo que evitava durante o dia. De noite chegando em casa comia algo em companhia do meu filho. Tomava todo o liquido poupado, para despejá-lo logo mais na madrugada, com o auxilio de diuréticos. Em suma, também não dormia. Pelo menos não da maneira que deveria.

Assim, passaram-se vários anos, sentia-me satisfeita principalmente em derrubar as inúmeras teses familiares e extra familiares de que eu não conseguiria. Lá pelas tantas, entrei num ramo de negócios paralelo que ocupava as poucas horas vagas que eu tinha e entre o trabalho formal e o informal eu me debruçava nos livros que eu gostava de ler na tentativa de galgar mais um degrau na minha instrução – o mestrado.

Foi nesse preciso momento – pós prova do mestrado - dia comum, já cansada demais para qualquer coisa, sem ter visto o dia escurecer percebi por conta do incômodo e das dores, que uma das minhas pernas havia aumentado de tamanho escandalosamente, em vão esperei que passasse, fiquei em repouso durante alguns dias esperando uma melhora, mas nada aconteceu de bom a seguir.

No quarto dia desisti da espera, aguardei que meu filho chegasse do colégio e assim que ele chegou e almoçou pedi a ele que me acompanhasse ao pronto socorro, estava me sentindo muito mal. O inchaço provocava um incômodo até pra ficar sentada, sentia uma dor em toda a perna como se estivesse a ponto de explodir, meu pé formigava e ficava quase irreconhecível de escuro. Pensei no dia em que isso tudo começara, foi num dia daqueles em que o tempo não parece alcançar para todas as coisas que tem que ser feitas. Havia dado aula de manha e ido direto para o outro lado da cidade para prestar um exame na seleção do mestrado que havia escolhido. Já no meio da prova senti que devia me apressar pois a dor estava aumentando, e com ela a concentração diminuindo. Infelizmente pelas normas da prova não poderia sair da sala enquanto não passassem as 4h destinadas para tal. Tive que esperar, não podia ligar para avisar que precisava sair dali assim que fosse liberada. Por conta disso tive mais uma hora de espera na frente da instituição. Quando a carona chegou estava numa situação de urgência total. Tivemos que enfrentar o transito e atravessar a cidade para finalmente chegar em casa.

No dia que aceitei o fato de ir ao pronto socorro tive a noção exata do dano que havia sofrido, estava com uma trombose na perna esquerda. Tudo que eu fizera – o uso de diuréticos, o uso de cortisona que eu tomava para controlar a asma, o tempo demais ficando sentada, a má alimentação, o stresse do dia-a-dia, haviam se somado num coagulo que estava impedindo a passagem de sangue na minha perna.

Em conversa com o médico que me recebeu tive a oportunidade de verbalizar os motivos de tudo que me acontecera. Ao questionar-me a respeito do uso dos diuréticos, o uso dos corticóides, a má alimentação. Eu expliquei: - Acontece que nenhuma das instituições em que trabalhava tinham banheiro adequado para pessoas como eu. Se eu tivesse que entrar no banheiro acabaria criando toda uma situação desagradável e constrangedora tanto para mim como para ela mesma. Ninguém vai querer ficar com alguém que promova situações desse porte. Seria preciso da ajuda de alguém e a improvisação de alguns apetrechos para conseguir ter acesso ao banheiro convencional. Fato que aconteceu pouquíssimas vezes para não incomodar. Mas a falta de acessibilidade não fora o único motivo, havia também que considerar a falta de sensibilidade e de preparo da parte administrativa das instituições. Pois indiferentes à situação de funcionários com uma realidade diferente, a exigência era a mesma. Não havia uma separação do que poderia ser exigido física e cognitivamente do funcionário.

O que mais me desagrada nesse caso é a postura dos empregadores causadora  desse efeito dominó. Eu entrei consciente do risco, era isso ou ficar sob a tutela de outros, sentada na sacada da casa fazendo tricô. Isso precisa mudar. A política de inclusão social como regra a ser seguida é mais uma lei dentre tantas que nascem para resgatar uma divida social com as minorias, mas que acabam causando o oposto do seu intuito. Se não há um acompanhamento de mudança de hábitos, de reeducação dos envolvidos, de conscientização do verdadeiro objetivo a ser alcançado. Ela continuará transformando o portador de deficiência física, na mente ressecada dos empregadores, em problemas em potencial. Pura e vã ignorância.

Sem preparo algum para lidar com portadores de deficiência, profissionais de todas as áreas formam uma rede de achismos e de compreensões diversificadas sobre o tema. Rede esta em que caímos sem salvação.

Por um lado funcionários que entendem a inclusão como uma dádiva ofertada para alguém se sentir menos desprezado. Entitulada de “solidariedade” é aplicada como caridade – a compra da passagem que os levara para os céus -, menosprezando assim, o verdadeiro valor do portador. Por outro lado, os que entendem a inclusão como a oportunidade do portador de deficiência demonstrar que é capaz de fazer tudo como todos os demais, baseada no discurso de que todos somos iguais, é constantemente exigido para que realizem tarefas nas mesmas condições que todos os demais. Menosprezando as condições físicas a que estão atrelados.

São pouquíssimas as instituições que realmente absorvem o portador de deficiência respeitando suas limitações físicas e potencializando o seu valor cognitivo, posso citar uma que realmente o faz ou pelo menos o fez na minha passagem profissional por ela. A UFAM foi uma que chegou a adaptar passarelas e trabalhar a conscientização dos funcionários a fim de acabar com o habito de usar os banheiros dos portadores como deposito de utensílios de limpeza. O professor Bruce Osborne, então pró-reitor de ensino e graduação chegou a colocar rampas, nivelar passagens entre uma e outra construção, para dar acesso às edificações da então pró-reitoria. A professora Arminda Mourão, foi a primeira em me dar a oportunidade de trabalhar, e mesmo sendo exigente ela sempre considerou as minhas limitações físicas, aproveitou ao máximo o meu potencial profissional durante a gestão dela na pró-reitoria de assuntos comunitários. O curso de letras também teve esse cuidado na minha passagem como professora de línguas e literaturas estrangeiras. A UFAM foi e ainda é um bom exemplo de inclusão social para portadores de deficiência física, salvo algumas excessões como a construção do campus que em seu projeto original não previu elevadores para o livre acesso de quem não pode subir escadas ou os prédios de odontologia e medicina que se encontram fora do campus e ainda contam com adaptações improvisadas.

Das que tiveram comportamento totalmente contrario não citarei nomes pois a maioria das pessoas que me conhecem sabem muito bem quais são. É o bastante.

A pior violência, lembrando conversa com o professor Gilson Monteiro, não está nos atos de preconceito, nem no ato de ter que tirar coragem para revivê-los ao fazer a denuncia, nem nas conseqüências, por vezes funestas, que decorrem desses atos. A pior de todas as violências é a da sociedade que não sabe se posicionar, nem para evitar o abuso, nem está preparada para receber a denuncia e, pior, marca a vitima colocando-a sob rótulos pejorativos que denigrem a sua imagem e fazem com que seja marginalizada como ato preventivo de “problemas em potencial”. É esse o custo mais alto que se paga pela reivindicação de direitos e pela denuncia dos abusos contra eles.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CUBA

Cuba apareceu nestes últimos dias com mais freqüência na mídia televisiva. Isso me lembrou que no meu dia-a-dia, ela sempre esteve presente, até alguns dias atrás quando Angelita Feijo, uma aluna muito especial do curso de comunicação, me disse contente que estaria concorrendo a uma bolsa de estudos por lá. Na hora me vieram à mente Silvio Rodrigues, Pablito Milanes, Ibrahim Ferrer, Cumpay Segundo, e como boa revolucionária que sou, não poderia faltar a memória do Ernesto - o diário que ele escrevera foi um dos primeiros livros que eu li na adolescência-. Continuo lendo ele, e outros tantos que fazem alusão à sua luta.

Sempre que posso, volto a escutar os discursos dele e do Fidel por ser grande apreciadora da causa, e por ser afeta à boa escrita, à boa oratória. Os discursos de ambos sempre me surpreenderam pela sua coesão, por serem concisos, objetivos, claros, incontestáveis à língua solta.

Lembro-me de relatos do meu pai quando ele visitara Cuba. Ele como grande educador havia ficado maravilhado com ela, trouxe de presente para mim (quando eu tinha 13 anos) um vinil que até hoje me acompanha. Na época, não sabia, mas hoje me dou conta de que era eu privilegiada pela cultura musical que meus pais me davam. O vinil falava de um Unicórnio e mesmo sem entender o sentido intrínseco da peça, eu fazia parte daquela melodia e talvez seja esse o motivo pelo qual não consigo me desvencilhar dela.

Fui então embalada nos meus sonhos de menina por poetas como Silvio, Pablo, entre outros tantos de países diferentes como México, que chegou da mesma forma com Rocio Durcal, Miguel Acevez Megía, y el Rey Vicente Fernadez. Argentina, Chile, Perú e o Brasil do Chico Bubu, carinhosamente apelidado por mim nas noites de farra, e outros tantos deste país. trouxeram para meu “chip” da memória, poetas, músicos, tangos, milongas, forrós, entre outros ritmos.  Assim de todos os lugares que ele juntamente com a minha mãe visitavam, quer seja para estudar, quer seja para simplesmente participar de eventos de suas áreas.

Numa certa época passamos a acompaña-los nessas viagens já à serviço dos governos que requisitavam o trabalho do meu pai. Deve ser por isso, entre poesia e música, livros e vicissitudes, que eu tenho uma leitura diferenciada para Cuba. O fato de estudar o poder do discurso midiático também me favorece, porque me ensina a escutar sem obrigar-me a concordar, procuro sempre buscar o lado carnavalesco da historia para logo descartá-lo, procuro saber a fonte, procuro sempre examinar o fato desde o ponto onde ele foi criado, tento ao máximo me tornar parte dele para não cometer o erro de entrar numa línea de raciocínio pré-moldada, ajusto a análise para que perpasse mais aderida à preceitos do pensamento humano do que a linearidade a que estamos treinados pelos meios.
 

Um desses preceitos sempre foi e será “confiar no homem, como um menino confia em outro menino” de Thiago de Melo, tento também sair um pouco da bolha minúscula e irrisória do mundinho que as mesquinharias do cotidiano nos ata, para finalmente analisar o fato.
 

Cuba se compara com um portador de deficiência física, com suas limitações de locomoção, de acessibilidade, relegado a um quadro grotesco pendurado na parede,  que olhamos acelerando a vista para passar logo, partindo para algum outro mais agradável de se olhar.

Como qualquer deficiente físico, supera as expectativas tornando-se exemplo em alguns aspectos. Em outros, a falta de consciência dos demais - muro até maior do que a própria deficiência – vence, minimizando ações que poderiam ser realizadas e não o são.

Como qualquer deficiente físico, ainda é perseguido pelo período antecessor à paraplegia, quando tinha maiores possibilidades que desperdiçava ou eram desperdiçadas pela ditadura ideológica dos demais.

Como qualquer deficiente físico se arrasta aos trancos e barrancos para realizar o que todos dizem ser irrealizável, assustando alguns com a atitude, comovendo uma grande leva, incomodando outra, para no fim ser compreendida por um ou dois agentes.


De qualquer forma, se olhada numa visão geral da sua história, da sua realidade, da invisibilidade a que está submetida e da distorção que o tempo trouxe para seus ideais - vista por outros ou por eles mesmos-, não há como contestar a grandiosidade de seus feitos, a despeito do discurso midiático a fim de denegri-los, a despeito de todos os cubanos de Miami, a despeito dos próprios erros de sua política interna, a despeito do tempo, da queda de seus pilares, da distorção dos seus maiores ícones representativos, a despeito do vergonhoso embargo a que ainda está submetida, e dos tantos países coniventes e covardes. Nada nega a sua força como exemplo de luta contra a ditadura ideológica a que a maioria foi sugada, digerida e defecada.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

ESSE POVO....

Hoje eu li um artigo muito bom sobre a chegada dos haitianos, autoria de Ismael Benigno. Concordo com ele. Num trecho ele destaca ironicamente o discurso do governo “Somos ricos, nosso interior é pujante, nossa produção industrial e rural é enorme, batemos recordes de emprego e temos programas sociais feitos sob medida para pessoas sem teto. Então onde está o problema?”

Realmente faltava alguém falar sobre o tema despido dessa caridade carnavalesca politicamente correta que só serve de fachada para pousar de bom moço. Esse é o mal que o homem bom pode fazer.

Assim como ele também enxerguei o quadro de uma maneira ampla, fazendo uma leitura não somente do discurso do governo, nem do discurso dos refugiados, ou do povo "humanitário" que os recebeu, mas visto de um ângulo geográfico, econômico, e principalmente social, tudo isso a despeito de cor, nacionalidade ou até mesmo da necessidade dos recém chegados.

Posso dizer que olhando a mobilização que o fenômeno promoveu no intimo de uma massa que, do nada apresentou-se tão heroicamente, algumas perguntas me vieram à cabeça.


Onde estavam essas pessoas esse tempo todo? Onde escondiam esse ímpeto de gladiadores? Onde se encontravam no dia-a-dia, enquanto o seu povo passava necessidade nas periferias vivendo a mínguas? Nos hospitais num processo de definhamento? Onde estavam no momento em que os jovens interioranos chegavam à capital em busca de um destino melhor, que o dos seus familiares, esquecidos em alguma margem de rio? Onde estavam quando os índios foram destituídos e expulsos de suas terras e muitos ficaram perdidos e sem rumo? Onde estavam quando lhes faltou emprego, pão, uma camisa para vestir, um teto para dormir? Onde estavam os empresários para oferecer-lhes emprego, tirando foto ao lado deles para postar no facebook da mídia? Onde estavam os advogados para ajudá-los a conseguir documentos, os professores para aprimorar-lhes os conhecimentos, os médicos para prevenir-lhes as doenças.


O que ouço agora é que esse povo não presta, não merece, é preguiçoso, não sabe aproveitar as oportunidades, esse povo não quer trabalhar. Esse povo isto, esse povo aquilo, "esse povo" - sempre terceira pessoa! E quem fala não faz parte "desse povo?" Qual é o mecanismo que faz com que a chegada dos haitianos transforme, na mente de todos os que aqui vivem, em pessoas não merecedoras da mesma empatia? Que lógica é essa?


O problema esta posto, há que se procurar uma solução, mas que seja de maneira digna para todos, que não desmereça ninguém, que as oportunidades sejam dadas a todos e que as escolhas sejam feitas equitativamente e não porque achamos um mais ou menos merecedor, ou porque está na moda, ou porque fica bem para a imagem pessoal ou institucional, ou pior, porque achamos bonitinho os haitianos falando a sua língua, pois se continuar a ser esse o parâmetro o preconceito sofrido não será mais para com os haitianos, e sim para com ESSE povo.

É preciso que se saia já do “modelito” de “amigos da escola” e do estereótipo do “coitadinho” que nos fazem enxergar as mazelas da vida e as injustiças com aquele olhar de pena, que empurra a nossa mão para dentro do bolso em busca de moedas. É preciso que se abandone a pena e se busquem as idéias. Precisamos nos revoltar ao deparar-nos com o absurdo da nossa realidade, precisamos tirar essa fantasia eclesiástica e sermos participes do infortúnio, do sofrimento, do descaso, da humilhação, do desespero e não colocar-nos como observadores, redentores da salvação, sempre enxergando o outro como alguém de fora da nossa realidade. Somos agora um pouco haitianos sem deixarmos de ser amazônidas, isso não é uma escolha, é um fato, Precisamos de um espelho para ver-nos e constatarmos que nada temos dos deuses. Faço minhas as sabias palavras do poeta Fernando Pessoa - “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?” -.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

E POR FALAR NA LUIZA

A LUIZA JÁ VOLTOU DO CANADÁ, e o que restou dessa história, foi uma enxurrada de críticas e re leituras da mesma, quer seja para divertir os amigos em conversas informais, quer seja para tecer paralelos com conhecidos, que se encontram em situação semelhante. Mas o caso da Luiza é justamente para isso, para rir um pouco nesse mar de desgraças, de truculências e de absurdos sociais. É preciso muito ressentimento, para criticar as inúmeras bobagens que são criadas em cima de fenômenos aparentemente corriqueiros ou sem importância. Afirmar que casos assim são produtos de mentes atrofiadas. Isso sim é ignorância e falta de inteligência.
O brasileiro está sempre inventando formas para não se deixar abater pelos percalços da vida. Ri de si mesmo, ri dos outros, para os outros e com os outros, ri do que acontece com ele e com os demais, inventa formas para transpor obstáculos, sejam eles concretos ou mentais. Para ter uma boa ideia disso, basta refletir em como conseguiu transformar MERDA em uma coisa positiva. Já pararam para pensar na frase que diz: TA PENSANDO QUE É POUCA MERDA?! É impossível não observar as inúmeras manifestações de criatividade deste povo. Não é a toa que os “spots” de propaganda criados no Brasil, fazem o sucesso que fazem nas convenções de publicidade, não é a toa que as novelas - item de exportação -, conseguem emplacar chavões que divertem e marcam épocas na vida das pessoas. Hoje é a Luiza, amanha quem será? Qual será o “insite” que a criatividade vai pegar.
“O ser humano se adapta a qualquer situação, talvez essa seja a melhor característica que o descreve” disse Dostoiévski numa de suas obras, mas como é que esse ser humano consegue fazer isso? Lançando mão de sua criatividade, encontrando caminhos, feito água que corre por entre as pedras. A criatividade é característica dos homens extraordinários que não só fazem o que podem, superam esse conceito e ultrapassam as expectativas dos demais. São os que criam não só durante certo período de tempo, um ano, dois anos. São os que nunca se cansam de criar.
Na cidade de Manaus é possível visualizar o caminho que este homem percorre, basta se localizar dentro de um mapa e perceber como ele foi capaz de criar condições onde parecia não haver, construir uma metrópole no meio da maior floresta do planeta, uma cidade maior do que a imaginação que qualquer um poderia supor. Tudo isso só foi possível, a despeito de todas as barreiras culturais, geográficas e climáticas, graças  à característica criativa dos que nela residem.
 Assim como a Luiza que já voltou do Canadá, a última demonstração de criatividade da cidade de Manaus foi a construção da Ponte que atravessa o rio Amazonas no trecho Manaus -  Iranduba. Neste caso não se trata de uma bobagem para descontrair os músculos enrijecidos pela labuta diária, como foi o caso da Luiza, se trata de desenvolvimento. Uma obra colossal que coloca à prova não somente a criatividade do homem para vencer a força da natureza, mas a sua perseverança, o seu desejo de continuar crescendo, de fazer bem feito, de acontecer. Ontem foi o teatro, seguido de suas criativas incursões de ópera “porta afora” para alcançar toda a população. Uma forma criativa de levar a montanha à Maomé, ontem foi o pólo industrial, alavanca que sustenta a economia da região, ontem milhares de manauaras tiveram idéias brilhantes e fazem sucesso com elas hoje, dentro e fora da cidade. Idéias de todas as dimensões, um vampirão para coletar sangue, uma praça iluminada, um festival folcklórico, um picolezeiro vestido de homem aranha, um condomínio de casas populares, um bosque no meio da cidade. Hoje é a ponte, amanha o que virá? Os desafios são lançados diariamente e diariamente constatamos que a criatividade é uma fonte que não se esgota. Manaus nunca foi tão cosmopolita como agora.
A crítica contra a bobagem como pauta social, ou contra o sonho de desenvolvimento social e urbanístico é, antes de tudo, um retrocesso que desmerece o homem criativo e desbravador do local. Critica-se negativamente pelo mero prazer de criticar, critica quem não é capaz de criar e se ressente disso sob um falso moralismo erudito. A erudição pela erudição não tem mais lugar, é preciso mais do que simplesmente ter posse do conhecimento, é preciso transpor o conhecimento e avançar para o nível de criação e produção de atitudes coerentes com a vida que se quer levar. Não há mais como discutir que neste intento a comunicação hoje deixou de ser fragmentaria do público, ele saiu do sofá de sua sala e mesmo sem se deslocar para fora da sua residência ou abandonar seus quefazeres diários, passou a ser partícipe de uma grande reunião, estilo “praça de Atenas”, onde pode livremente criar, comentar, opinar, se posicionar e tomar atitudes, sobre as informações que recebe. A TV, o rádio, o jornal impresso, não são os únicos a pautar suas matérias, nunca o foram, mas desde que a internet virou item de cesta básica da população é possível acompanhar todas as manifestações deste público, dentre elas o bom humor que lhe é característico, a alegria renitente qual “Sísifo empedernido” (parafraseando o poeta Anibal Beça) insistindo em sobreviver no meio das vicissitudes que a vida lhe traz. A internet tem sido uma fonte de informação e de manifestação, sem esquecer que como qualquer ferramenta comunicacional pode ser usada para o bem como para o mal, conceitos não perenes e indissociáveis do ser humano.