terça-feira, 1 de maio de 2012

SEM SAIDA

“Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão
E, no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que more
Não lhe é permitido se defender”
BRECHT


As políticas públicas pregam um zelo pela ordem e a promoção de oportunidades para um desenvolvimento do individuo que transforme qualquer possível anomalia do gênero da convivência em mera trava facilmente transponível pela vontade do ser humano. O legislativo como um dos poderes que tem o intuito de traçar o caminho de como fazer isso, se encontra em constante mudança, pois pressupõe-se a priori que as leis existam para atender às necessidades da sociedade de se organizar de maneira que todos possam usufruir dos seus direitos assim como cumprir com suas obrigações.

Pois bem, se a sociedade está em constante mutação, já que está composta por seres humanos, logo gera fenômenos que nascem de suas necessidades, então pode se dizer que as leis foram feitas para regrar as inter-relações entre os seres humanos afim de manter uma ordem na desordem comum e inerente a todos. Um exemplo disso é o Estatuto da Criança e do Adolescente que nasceu quando a sociedade percebeu que eles também mereciam apreciação e que deviam ser considerados como cidadãos habilitados de direitos como todos. Criou-se, então, um código que pudesse nortear o comportamento e as atitudes que deveriam ser tomadas para garantir-lhes a proteção necessária em todos os sentidos, evitando assim a sua exploração, os maltratos em potencial e dos que já vinham sendo vitimas, a educação formal necessária, a educação em família, entre outras coisas.
           
Sem duvida, trata-se do retrato de uma situação ideal que talvez numa realidade diferente da que se vive no país, encontraria retorno e serviria para começar uma cultura onde a eles seriam os homens ideais a serem forjados sob responsabilidade de todos, sob o apoio de todos, sob o cuidado de todos. Entrementes, a realidade é totalmente contraditória. As crianças das periferias não são vistas como futuros homens, dir-se-ia melhor que são vistas como futuros problemas sociais, ninguém se responsabiliza por eles, nem a família que muitas das vezes nem sequer existe, nem a comunidade que, ou, as usa de maneira exploratória ou simplesmente prefere passar o olho sem vê-las, nem o governo que não consegue resolver o problema e as utiliza como alavanca para angariar votos em épocas de eleição.

Quem então vai garantir-lhes a sobrevivência? O homem nasce para viver ou para sobreviver? Onde então se encaixa o Estatuto que diz que ela tem o direito de viver?

Sem pensar nesta realidade e além de não garantir-lhes uma vida digna a legislação as proíbe de tentarem sobreviver com seus esforços. Nesse contexto, os únicos afetados são as próprias crianças que, sem ter quem as sustente e lhes proporcione lar, educação, saúde e alimento, são também proibidas de trabalhar para garantir-se o pão de cada dia e acabam sem ter o que fazer para mudar o quadro em que se encontram, a não ser definhar-se na vida até perdê-la. Então, neste caso, o poder legislativo não age em favor da sociedade e sim contra ela.

As políticas públicas destinadas ao caso não surtem o efeito desejado, pois são pequenas ilhas mal estruturadas que não atendem à quantidade total e/ou da maneira certa para acabar com esse fenômeno, ilhas inúteis por estarem apoiadas numa legislação que não condiz com a realidade e por não estarem acompanhadas por outras políticas de apoio como a de educação e a de urbanização e, ainda mais, a do trabalho. A dicotomia da legislação com a sua prática nada mais é do que um mundo idealizado onde se legisla uma realidade que não existe.

O comportamento humano se desenvolve de maneira diferente frente às adversidades nas periferias, as reações não são as mesmas, o dia a dia não é o mesmo, os problemas e as inquietações não são os mesmos, as necessidades são diferentes e principalmente o sofrimento e a degradação é bem maior nelas do que em outros lugares mais favorecidos. Está o poder legislativo e as políticas adotadas atentando a estas diferenças? Certamente a resposta é não. E o próprio surgimento de fenômenos como o das crianças e adolescentes sendo aniquilados, física e espiritualmente é uma prova disso.