“Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão
E, no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que more
Não lhe é permitido se defender”
BRECHT
As políticas públicas pregam um zelo pela ordem e a promoção de
oportunidades para um desenvolvimento do individuo que transforme qualquer
possível anomalia do gênero da convivência em mera trava facilmente
transponível pela vontade do ser humano. O legislativo como um dos poderes que
tem o intuito de traçar o caminho de como fazer isso, se encontra em constante
mudança, pois pressupõe-se a priori que as leis existam para atender às
necessidades da sociedade de se organizar de maneira que todos possam usufruir
dos seus direitos assim como cumprir com suas obrigações.
Pois bem, se a sociedade está em constante mutação, já que está composta
por seres humanos, logo gera fenômenos que nascem de suas necessidades, então
pode se dizer que as leis foram feitas para regrar as inter-relações entre os
seres humanos afim de manter uma ordem na desordem comum e inerente a todos. Um
exemplo disso é o Estatuto da Criança e do Adolescente que nasceu quando a
sociedade percebeu que eles também mereciam apreciação e que deviam ser
considerados como cidadãos habilitados de direitos como todos. Criou-se, então,
um código que pudesse nortear o comportamento e as atitudes que deveriam ser
tomadas para garantir-lhes a proteção necessária em todos os sentidos, evitando
assim a sua exploração, os maltratos em potencial e dos que já vinham sendo
vitimas, a educação formal necessária, a educação em família, entre outras
coisas.
Sem duvida, trata-se do retrato de uma situação ideal que talvez numa
realidade diferente da que se vive no país, encontraria retorno e serviria para
começar uma cultura onde a eles seriam os homens ideais a serem forjados sob
responsabilidade de todos, sob o apoio de todos, sob o cuidado de todos.
Entrementes, a realidade é totalmente contraditória. As crianças das periferias
não são vistas como futuros homens, dir-se-ia melhor que são vistas como
futuros problemas sociais, ninguém se responsabiliza por eles, nem a família
que muitas das vezes nem sequer existe, nem a comunidade que, ou, as usa de
maneira exploratória ou simplesmente prefere passar o olho sem vê-las, nem o
governo que não consegue resolver o problema e as utiliza como alavanca para
angariar votos em épocas de eleição.
Quem então vai garantir-lhes a sobrevivência? O homem nasce para viver ou
para sobreviver? Onde então se encaixa o Estatuto que diz que ela tem o direito
de viver?
Sem pensar nesta realidade e além de não garantir-lhes uma vida digna a
legislação as proíbe de tentarem sobreviver com seus esforços. Nesse contexto,
os únicos afetados são as próprias crianças que, sem ter quem as sustente e
lhes proporcione lar, educação, saúde e alimento, são também proibidas de
trabalhar para garantir-se o pão de cada dia e acabam sem ter o que fazer para
mudar o quadro em que se encontram, a não ser definhar-se na vida até perdê-la.
Então, neste caso, o poder legislativo não age em favor da sociedade e sim
contra ela.
As políticas públicas destinadas ao caso não surtem o efeito desejado,
pois são pequenas ilhas mal estruturadas que não atendem à quantidade total
e/ou da maneira certa para acabar com esse fenômeno, ilhas inúteis por estarem
apoiadas numa legislação que não condiz com a realidade e por não estarem
acompanhadas por outras políticas de apoio como a de educação e a de
urbanização e, ainda mais, a do trabalho. A dicotomia da legislação com a sua
prática nada mais é do que um mundo idealizado onde se legisla uma realidade
que não existe.
O comportamento humano se desenvolve de maneira diferente frente às
adversidades nas periferias, as reações não são as mesmas, o dia a dia não é o
mesmo, os problemas e as inquietações não são os mesmos, as necessidades são
diferentes e principalmente o sofrimento e a degradação é bem maior nelas do
que em outros lugares mais favorecidos. Está o poder legislativo e as políticas
adotadas atentando a estas diferenças? Certamente a resposta é não. E o próprio
surgimento de fenômenos como o das crianças e adolescentes sendo aniquilados, física
e espiritualmente é uma prova disso.