Bom, apesar de ter perdido o texto que estava escrevendo
anteriormente decide, pela importância do assunto, reescrevê-lo. Falava eu que
a Clarice Lispector disse “Até cortar os nossos próprios defeitos pode ser perigoso.
Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Mas o que
nós entendemos por defeito? Tudo aquilo que é diferente da nossa percepção
cotidiana e cultural. Então o que os outros chamam em nós de defeitos é o que
nós temos de diferente deles.
Pensei neste ponto porque apesar de ter poucos/longos anos já
tenho pose de uma personalidade só minha. Talvez pelo fato de ter tomado as rédeas
da minha vida cedo, considerando a situação em que me encontro. Neste caminho
de subidas e descidas já passei vitoriosa por situações que poucas pessoas
teriam coragem de passar. Quem me conhece de verdade e acompanha minha vida
sabe muito bem disso. Nela aprendi, tarde, mas aprendi, que a melhor atitude a
se tomar na vida é ser quem você é. Pacote completo, sem se preocupar em
atender às expectativas de ninguém.
Por tudo isso, posso afirmar que sou Humana, demasiado
humana, como meu caro Friedrich diria. O que significa que ainda sofro, ao me
deparar com situações onde é fácil perceber o quanto precisamos, nós raça
humana, crescer cognitivamente para alcançar um grau, onde o respeito mútuo
impere. Quanto falta para que possamos nos deparar com situações diferenciadas
e esboçar uma reação autêntica e verdadeira que corresponda ao discurso que
propagamos. Que fuja do que nos é imposto por chavões padronizados que sob
rótulos como o “politicamente correto” minam a mente da massa para ser conduzida.
Hoje, foi um dia qualquer na minha vida, e teria sido mais
um, nas diligências dos quefazeres da casa, das leituras, do exercício de
redação, dos trabalhos que costumam pagar minhas contas, se o meu telefone
celular não tivesse a sua tela inutilizada. Não dava pra ligar pra ninguém, mas
qual o problema? Pessoas como eu, estão preparadas para esse tipo de situações.
Tenho a internet pensei. Ao pedir ajuda num dos sites de relacionamento, para
ligar por mim, deparei com dois contatos com a mesma postura. Um deles
simplesmente mentiu dizendo que havia ligado sem sucesso, o outro disse – Taí, uma
coisa que não se vê todo dia! O que? Indaguei – alguém pedindo na internet para
ligar na distribuidora para pedir cerveja.
Hoje, situações de preconceito não me afetam tanto como antes,
não me afetam, assim como não me surpreendem nem mesmo quando vem de pessoas “esclarecidas”
ou que pelo menos se espera que o sejam. Hoje, eu aproveito essas situações
para analisar o andamento evolutivo do homo sapiens, da política no sentido
próprio de organização das polis, do discurso social, do discurso das palavras,
das atitudes, da coerência ou incoerência de ambos, do discurso do silencio e
até da velocidade que a resposta vem, mesmo quando não chega.
Esta visto que ainda pesamos situações na balança de uma
cultura de erros. A nossa boca é larga para pintar uma imagem nossa perante a
sociedade que atenda ao que os outros esperam de nós, mas é curta e torpe em
casos inesperados. Quando acontece uma situação diferente ficamos perdidos,
buscamos referencias no passado de alguém para ver qual a atitude que deve ser
tomada. E nada, não se encontra nada. É nesse vazio que nasce o preconceito
porque pegamos referencias de hábitos equivocados, referencias que nós mesmos
condenamos.
A imagem estereotipada de pessoas com limitações físicas que
já foi falado no meu blog é uma delas. Pedi para ligar na distribuidora para pedir
cerveja, e? Pergunto eu. Deficiente não bebe? Não fuma? Não se droga? Não se
prostitui? Não ronca? Não solta pum? Não arrota? Não transa? Essa é a minha
preferida, dentre os preconceitos. As pessoas acham que deficiente não transa. Pois
ele faz tudo isso e muito mais. As vezes, até melhor. No meu caso, só tiraria
fumar, me drogar e me prostituir, não que eu não tenha já tenha fumado, fumei
muito e Dervi ainda, experimentado drogas, e muito embora não condene não tive
necessidade de me prostituír. De resto, meus amigos, eu já fiz tudo isso e
posso aditivar mais alguns itens. Como pilotar ultraleve, sair de mochila nas
costas para conhecer o nordeste de muletas, ter e criar um filho sozinha, e
tantas outras coisas que fiz e faço de diferente. Como cultivar a solidão. Quantas
dessas coisas você faria nas minhas condições? Eu mesma respondo. Pouquíssimas.
Sou diferente em tudo. Diferente do
“modelito” que a hipocrisia humana moldou. Mas a diferença maior é que nós,
portadores de deficiência física, precisamos adaptar-nos a uma sociedade que se
nega a nos comportar. E, olha ai, fazemos isso também e saímos vitoriosos. Agora
me dêem licença que vou, depois dessa, tomar uma bem merecida “providencia/gelada”. Como diz meu sábio e caro
professor Odenildo Senna.