“El
problema de picar cebollas, no es que te hagan llorar, sino que cuando
comienzas ya no quieres parar” com esta sentença Laura Esquivel começa a descrever
a história de Tita – personagem principal do livro “Como agua para chocolate”. Com ele é descrita também a importancia cultural que a cozinha - culinária e ambiente - ocupa na vida dos latinoamericanos.
Em casa, assim como no filme, a cozinha era sempre o meu
lugar preferido, era quentinho e estávamos sempre a ajudar na rotina dela. Descascar
abas, batatas, tirar ervilhas das vagens, e biliscar os grãos de milho depois
de hidratados, lavar bem a quinua para tirar-lhe a terra antes de cozinhar, o
chuñu também era deixado de molho para reidratá-lo e poder tirar a casca antes
de cozinhá-lo. As tarefas mais árduas resultavam sempre nos pratos mais
gostosos. Descascar amendoim e grão-de-bico crus, era nesse então, um castigo
para aquele que teria que dar conta da tarefa, um a um até encher uma panela pequena
de cada, toda semana a tarefa era a mesma, Foi nesse meio que aprendi a
cozinhar.
A Cazuela de todos os domingos era o grande acontecimento da
semana. O amendoim e o grão-de-bico eram deixados de molho dois dias antes de
cozinhá-los para que no sábado fosse mais fácil de tirar suas cascas. O almoço
de domingo, quando a família toda se reunia à mesa, tinha esse prato como
tradição. Os preparativos começavam na sexta, deixando de molho os dois grãos,
comprando todas as batatas necessárias, parte mais atrativa do prato – as
batatas fritas-, que sempre eram colocadas em cima da sopa. No sábado lá estávamos
nós descascando-os entre conversas, piadas, competições de quem descascava mais,
mais rápido ou melhor.
Minha mãe, minhas irmãs e eu colocávamos na mesa pequenas
quantias dos grãos para começar a tarefa. Uma vez terminada a conversa, esgotadas
as risadas, descascados os grãos, deixávamos tudo na geladeira para poder
dormir e somente no dia seguinte começar a preparação. Acordávamos cedo e minha
mãe já estava na cozinha acompanhada da empregada da casa que já conhecia bem
esses preparos, descascávamos as batatas e cortávamos todas para ir fritando
enquanto preparávamos a sopa. O frango bem cortado, limpo e escaldado, as
cenouras raladas, as cebolas cortadas em cubinhos, o orégano que lhe dava
aquele cheiro especial.
Quando a preparação começava eu ficava olhando a minha mãe,
o cuidado e carinho somados a habilidade de manipular e calcular os cozimentos.
O grão-de-bico sempre era um mistério para minha cabecinha. Não entendia como
ela conseguia saber quando estava pronto, mas ela o tirava da panela de pressão
no momento exato, nem muito cozido, nem cru, dessa singela rotina ficou meu
vicio de comê-lo até hoje como se come pipoca, do jeitinho que sai da panela. Via
minha mãe fritando as verduras com um tanto de sal e percebia já, desde esse
então, que dentre todas elas a que tinha maior relevância era, com certeza, a
cenoura ralada juntamente com o orégano regado no meio. Era esse o cheiro da
cozinha da minha mãe, cheiro de verdura refogada com orégano.
Depois ela pegava o amendoim já descascado para triturá-lo
num liquidificador até virar um creme branco adicionando de a pouco, água suficiente
com o devido cuidado para não deixá-lo muito aguado. Então o colocava junto com
a verdura, misturava bem e deixava ele cozinhar um tempinho, acrescentando a
água do grão-de-bico toda vez que parecia estar secando demais. Sopa de
amendoim tem que ficar mexendo para ela não grudar no fundo da panela, aprendi.
Logo colocava todo o restante da água do grão-de-bico e o frango em pedaços
generosos e bem cortados, em seguida acrescentava arroz, “uma mão por cada
pessoa” ela me dizia. Depois era só esperar mexendo de vez em quando.
Quando finalmente o amendoim havia incorporado, o arroz
tinha cozinhado e o frango estava cozido, ela jogava o grão-de-bico, testava o
sabor e pedia minha aprovação. Colocávamos as batatas fritas na mesa, um pouco
de salsinha bem picada num recipiente, pão cortado e a “llajua”. Um molho de
pimenta feito com “locoto” e tomate que eu aprendi a preparar numa pedra enorme
no pátio de casa – el batán -. Todos sentávamos na mesa ansiosos para comer a
sopa tão esperada. Minha mãe servia um a um os pratos, regando eles de salsinha
e batata antes de passá-los, enquanto meu pai fiscalizava que ninguém começasse
a comer antes de todos estarmos sentados e servidos. Cinco filhos sentados à
mesa sendo constantemente chamados à atenção com uma batidinha da colher no
prato, era o sino que sem precisar de palavras dizia, fica quieto! Senta
direito! Tira o cotovelo da mesa! Não fala de boca cheia! Não exagera na
risada! Olha a briga! Nos domingos de Cazuela.
Hoje a Cazuela ainda é parte importante na família, pais,
filhos e netos se sentam a comê-la numa mesa larga como o abraço do meu pai. Entrementes,
descascar amendoim não é mais uma reunião de meninos ajudando no quefazer da rotina
domingueira ao lado da mãe, tornou-se para mim como para minha mãe um exercício
solitário de paciência, um momento de meditação, o grão-de-bico não é mais
descascado, pois reza a ciência que o seu valor está na casca, o frango não é
mais cortado generosamente e com cuidado, ele vem em pacotes desencantados, a
batata tem resistido na minha cozinha. Sempre digo que a batata está para o
boliviano como a farinha está para o brasileiro, tornei-me especialista em
batata frita e outros tipos de preparo para ela. Quiçá as próximas gerações não
lembrem da Cazuela, mas para mim ainda tem sabor e cheiro de colo de pai e mãe,
tem seu encanto.
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